quinta-feira, 29 de abril de 2010

O ROMANCE (DO BRASIL) DA COPA DO MUNDO – 8

   Na Copa de 1962, Mané Garrincha só não driblou cachorro


  No dia 21 de março de 1960, o Chile foi sacudido por um violento terremoto, que atingiu 400 km do seu território, destruindo, desabrigando e matando. A FIFA chegou a trabalhar a possibilidade de transferir o Mundial para um outro país. Mas os chilenos cumpriram tudo o que se propuseram para aquela Copa e, em 30 de maio, a sua seleção pisava no gramado do Estádio Nacional, em Santiago, para abrir a competição, enfrentado e vencendo a Suíça, por 3 x 1.
   De volta à América do Sul, a Copa do Mundo do Chile seguiu a fórmula da anterior. De novo, só a classificação, na primeira fase, do time com melhor saldo de gols, em caso de empate. Foi a Copa da consagração de Mané Garrincha (foto), dentro de uma Seleção Brasileira quatro anos mais velha.
 Os titulares canarinhos eram os mesmos de 1958, exceto Orlando –  estava jogando pelo argentino Boca Juniors e, na época, só se convocava quem atuava no país –, e Bellini – o capitão na Suécia não agradara ao técnico Aymoré Moreira, nas vitórias sobre o Paraguai – 2 x 0, em 30.04.1961, e 3 x 2, em 03.05.61, pela Taça Osvaldo Cruz. Em 7 de maio, nos 2 x 1, sobre o Chile, pela Taça O´Higgens, Aymoré – ganhara a vaga de treinador devido aos problemas de saúde de Vicente Feola – entregou a zaga central a Mauro, que a segurou para o jogo seguinte – Brasil 1 x 0, em 11.05.1961. Abatido pela barração, Bellini refutou um jornalista que o chamou de capitão, dizendo que, na reserva, não sentia mais prazer em estar na Seleção. Pegou mal, muito mal. Mas ele, ainda, foi titular e capitão em dois jogos pela Taça Osvaldo Cruz, de 1962, nas duas goleadas – 6 x 0, em 21.04, e 4 x 0, em 24.04, sobre o Paraguai – e em um amistoso – 2 x 1, em 06.05, contra Portugal –, mas, dali por diante, só deu Mauro na zaga central. 
 Além da troca de Feola, por Aymoré, outra mudança foi na comissão técnica. Saiu o psicólogo João Carvalhaes que, em 58, considerara Garrincha maluco, entrando Ataíde Ribeiro em seu lugar.
ESTREIA NA ROTA DO BI – Foi em 30 de maio, no Estádio Sausalito, em Viña del Mar. Sem Bellini e Orlando, a dupla de zaga, era o mesmo time da final da Copa passada: Gylmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá Pelé e Zagallo. De início, nervoso e desentrosado, os brasileiros não deram pinta de futuros campeões, no primeiro tempo. Se bem que reclamaram um pênalti, claro, sofrido por Zózimo.
Veio o segundo tempo e, aos 11 minutos, Zagallo abriu o caminho para a nova conquista da Taça Jules Rimet. Foi num lance em que Garrincha se livrou de Najera e lançou Pelé, que deu um toque na bola, à meia-altura, para o Lobo (Mário Jorge Lobo Zagallo) morder, cabeceando: 1 x 0. Aos 27, Pelé dividiu um lance com três mexicanos e fez o seu único gol naquele Mundial: Brasil 2 x 0, sobre Carbajal; Del Muro,Villegas, Cardenas e Sepúlveda; Najera e Del Alguilla; Reyes, Hernandez, Jasso e Diaz. O jogo foi assistido por 10.484 pagantes e apitado pelo suiço Gottfried Dienst
  Em 2 de junho, no mesmo estádio, o Brasil ficou no 0 x 0, com a Tcheco-Eslováquia, e perdeu Pelé (foto), pelo restante da Copa, devido a uma dor na virilha, já sentida na partida contar os mexicanos. Era uma distensão muscular, que atingira o clímax quando o camisa 10, aos 25 minutos, chutara a bola contra um poste defendido pelo goleiro Schroiff.
  Antes daquele jogo, um incidente: Aymoré Moreira tentara devolver a zaga central à Bellini, tendo em vista que Mauro andara vacilão na estréia. Mauro reagiu ameaçando ir embora, caso fosse barrado, e o time terminou repetido no segundo jogo. Os tchecoseslovacos foram: Schroiff; Lala, Popluhar, Pluskal e Novakl; Stibranyi e Masopust; Schrerer, Kvanask, Adamec e Jelinek. O francês Pierre Schwint apitou a partida, assistida por 14.903 pagantes.
DOMANDO A FÚRIA - Era uma tarde de quarta-feira, 6 de junho de 1962, e os brasileiros iam ao estádio Sausalito, em Viña Del Mar, tentar a classificação à fase seguinte do Mundial-62, na última rodada das otiavas-de-final. Sem o contundido Pelé, o substituto Amarildo pisava no gramado, com os nervos à flor da pele. Treinados por Helenio Herrera, os espanhóis rolaram a bola bonito, com as suas principais peças se encaixando bem. A tensão nervosa levava o time canarinho a falhar muito. E não de outra: aos 35 minutos do primeiro tempo, Adelardo fez 1 x 0 para a “Fúria”.
 Muito reclamão contra arbitragens, em Copas anteriores, naquele jogo o Brasil se deu bem, Nilton Santos fez um penal sobre Collar, deu um passo à frente e o árbitro não marcou, além, de anular um gol, de bicicleta, de Peiró, alegando jogo perigoso. Isso todo quando os espanhois venciam, por 1 x 0
  No segundo tempo, os brasileiros se acalmaram e melhoraram o rendimento. Aos 27 minutos, Zagallo municiou Amarildo, seu colega de ataque botafoguense, e o “Possesso“ chutou, sem chance de defesa, para o goleiro espanhol Arquistain. Aos 41, quem lançou foi outro alvinegro, Garrincha. A bola saiu da linha de fundo e Amarildo subiu para cabecear, entre vários adversários. Era a virada canarinha, que provocou invasão de campo pela torcida verde-e-amarela, o que jamais havia ocorrido em uma Copa do Mundo.
 Vaga garantida nas quartas-de-final, Amarildo (foto) teve uma crise de choro. Gritava: “Vencemos! Vencemos!” Depois, ganhou um beijo, de Pelé, no vestiário. Afinal, a ausência do "Rei" criara um ambiente de muita expectativa para o jogo, além dar um bom “handicap” aos espanhois.
O chileno Sérgio Bustamante – auxiliado pelo uruguaio Estaben Mariñio, e o colombiano Suindheim – apitou a partida, que teve a Seleção Brasileira formada por: Gylmar; Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nílton Santos; Zito e Didi; garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo. A Espanha alinhou: Arquistain; Rodriguez, Garcia, Vérges e Etchevarria; Perez e delardo; Collar, Puskas, Peiró e Gento. O chileno Ser5gio Bustamante apitou o jogo, assistido por 18.715 pgantes.
MANÉ E O CACHORRO PRETO - Em 10 de junho, numa tarde de domingo, Garrincha excedeu, nos 3 x 1 sobre os ingleses. Como a Seleção estava muito enrolada, a partir dos 31 minutos do primeiro tempo, ele resolveu acontecer, em Sausalito – o Brasil não saíra da sua sede, por ter sido o primeiro do se grupo, enquanto os britânicos foram os segundos no deles.
 O primeiro gol de Mané foi inacreditável. Durante uma cobrança de escanteio, ele saltou junto com o grandalhão Norman, que era 12 centímetros mais alto, e conseguiu cabecear a bola para a rede. Os ingleses empataram, aos 36 minutos, por intermédio de Hitchens, mas, por aquilo, pagaram caro. Aos 8 da etapa final, Didi se preparava para cobrar uma falta, pela direita, pertinho da grande área, quando o moleque Garrincha apareceu na sua frente e a cobrou. O goleiro Springett rebateu a bola para a frente, na cabeça de Vavá, que não o perdoou. Aos 14, Garrincha viu o camisa um inglês adiantado e chutou, quase da intermediária, por cobertura. Golão!
 Gol de cabeça, por cobertura, cobrança de falta. Normalmente, o Mané não fazia nada daquilo. De normal mesmo só ele dizer que não tinha medo do tal de “Fralda” , se referindo a Flowers, o lateral que iria marcá-lo e prometia sumir com ele. Naquele dia, o "indomável" Garrincha só não conseguiu "domar" um cachorrinho preto (foto) que invadiu o gramado, antecipando-se às diabruras que ele iria aprontar. Depois de driblar o “Demônio da Copa”, o cãozinho só foi capturado quando Jimmy Greaves ajoelhou-se à sua frente e os dois ficaram se namorando. Num bote rápido, o inglês fez o que Mané Garrincha não conseguira. 
CONTRA OS DONOS DA CASA – Em 1950, na véspera da final da Copa, os atletas brasileiros foram submetidos a uma maratona de discursos cansativos; em 54, desconhecia-se o regulamento; em 58, fez-se um plano e a coisa funcionou – taça em casa. Mas não foi que, em 62, uma nova bagunça pintou?
  No dia 19 de maio, após o último treino, no Rio de Janeiro, os jogadores tiveram de ir se despedir do governador estadual, Carlos Lacerda, e, depois, visitar o embaixador chileno no Brasil, Ruiz Solar. No dia seguinte, pela manhã, viagem para Brasília. As despedidas, daquela vez, foram do presidente da república, João Goulart, que ofereceu um almoço a todo o grupo. Próxima escala: aeroporto da paulista Campinas, onde as despedidas foram, por telefone, do treinador Vicente Feola, proibido, por seu médico, de viajar.
  Após nove horas e meia de peregrinações, a Seleção Brasileira embarcou, do aeroporto de Viracopos, no mesmo avião da Panair que a levara, quatro anos antes, à Suécia. O piloto, também, era o mesmo, o capitão Guilherme Bungner, que deixara seu cavanhaque crescer, para ficar com a mesma cara do “vôo da vitória”. Em território chileno, o time hospedou-se na pousada El Retiro, em Quilpués, a Ciudad del Sol, em chalés, próximos de Viña del Mar. Com tantas despedidas e cansaço, no primeiro coletivo com bola, o time reserva perdeu, para o Wanderers, equipe local, por 1 x 0, em 45 minutos de jogo-treino.
 Ainda bem que o ensaio de bagunça ficou por ali. No último coletivo, em 27 de junho, os reservas mandaram 5 x 0 no Everton, outro time local, no segundo tempo, após os titulares já terem feito outros quatro gols, na etapa inicial. E vieram as vitórias sobre o México (2 x ), Espanha (2 x 1) e empate (0 x 0), com a Tcheco-Eslováquia, na primeira fase, além dos 3 x 1 sobre os ingleses, nas quartas-de-final. A parada, agora, era pesada, contra o Chile (foto), o dono da festa.
MANÉ EXPULSO – Com mais de 10 mil torcedores acima do que cdomportava o Estádio Nacional de Santiago – 65 mil pessoas –, o Brasil foi para as semifinais, contra os chilenos, em 13 de junho. O time havia saído, de Viña del Mar, de trem, e comido só sanduíche, para evitar supressas gástricas. Enfrentou, ainda, a péssima arbitragem do peruano Arturo Yamazaki.
  Dificuldades à parte, a Seleção mexeu no placar, com 9 minutos. Zagallo chutou, a bola bateu em Amarildo e em Vavá, sobrando para Garrincha que pegou, de canhota. Aquele era outra novidade, pois o “O Torto” nunca chutava de esquerda. Aos 32, Garrincha aprontou, de novo. Zagallo cobrou escanteio, e ele subiu no meio da zaga, para cabecear e marcar. Aos 42, o chileno Toro diminuiu, mas, aos 2 minutos da etapa final, Mané cobrou escanteio, Vavá cabeceou e o Brasil voltou à rede. Aos 32, Leonel Sanchez, cobrando pênalti, voltou a diminuiu. Aos 32, porém, Vavá fechou o placar, finalizando cruzamento de Zagallo.
  Aos 35, Yamazaki expulsou de campo o chileno Landa, por jogo violento e ofensas ao árbitro. Aos 38, mandou Mané para fora, acusado, pelo auxiliar uruguaio Esteban Marino, de agredir o lateral Rojas. No meio da confusão, quando saía de campo, levou uma pedrada, na cabeça, que teve de ser enfaixada.
 Os fatos que se seguiram geraram uma das maiores histórias do futebol brasileiro. No eu relatório sobre a partida, Arturo Yamazaki relatava não ter v isto o pontapé de Mané e Rojas. Falava da pressão dos chilenos e da “deduração” de Esteban Marino. Só que este jamais fora encontrado para depor no tribunal de justiça da Copa e, por falta de provas, absolveram Garrincha para jogar a final. Diz a lenda a CBD, auxiliada pelo árbitro paulista João Etzel Filho, teriam, no hotel onde Marino se hospedara, dado um jeito de ele ir embora do Chile, sem deixar vestígios.
Brasil que venceu o Chile: Gylmar: Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vvá, Amarildo e Zagallo. Os chilenos foram: Escutti; Eyzaguirre Rodriguez, Contreras e Rojas; Sanchez e Ramirez; Toro, Landa, Tobar e Leonel Sanchez. Público oficial de 76.594 pagantes.
BOLA NOSSA - Contra a Espanha, o árbitro chileno Sergio Bustamante estava longe do lance e não vira Nilton Santos fazer pênalti sobre Adelardo. Diante do Chile, no episódio envolvendo Mané Garrincha, o peruano Arturo Yamazaki colocou a responsabilidade da expulsão do “Torto” sobre o auxiliar uruguaio Esteban Marino, que desaparecera após o jogo. E a Seleção foi chegando. Em 17 de junho, o Brasil estava na final, contra a Tcheco-Eslováquia, com uma defesa carregando a média de 32 anos de idade – Nílton Santos estava com 37. Sem Pelé, que tinha o músculo adutor da perna esquerda lesionado, e com Garrincha ardendo a 38 graus de febre, os canarinhos sofreram um gol, aos 15 minutos, marcado por Masopust. Dois minutos depois, Amarildo, de 21 anos, o substituto de Pelé, empatou, e o primeiro tempo ficou por aquilo. Na etapa final, Zito (foto), aos 23, e Vavá, aos 32, garantiram o bi, com 3 x 1, em partida que o melhor goleiro daquele Mundial, Schoroiff, falhara em dois gols brasileiros. O que importava, no entanto, era que o Brasil conquistara o título bicampeão mundial de futebol, com tgaça entregue ao capitão Mauro Ramos de Oliveira, pelo presidente da FIFA, o inglês Stanley Rous.
O jogo do bi foi assistido por 73.856 pagantes e apitado soviético Nikolai Latichev. O Brasil bisou a taça com: Gylmar (foto): Djalma Santos, Mauro, Zózimo e Nilton Santos: Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Amarildo e Zagallo. Os tchecos: Schroiff; Lala, Popluhar e Novak; Pluskal e Masopust; Pospichal, Scherer, Kadraba, Kvasnak e Jelinek.

TODOS OS RESULTADOS: Uruguai 2 x 1 Colômbia; União Soviética 2 x 0 Iugoslávia; Iugoslávia 3 x 1 Uruguai; União Soviética x 4 Colômbia; União Soviética 2 x 1 Uruguai; Iugoslávia 5 x 0 Colômbia; Chile 3 x 1 Suíça; Itália 0 x 0 Alemanha; Chile 2 x 0 Itália; Alemanha 2 x 1 Suíça; Alemanha 2 x 0 Chile; Itália 3 x 0 Suíça; Brasil 2 x 0 México; Tcheco-Eslováquia 1 x 0 Espanha; Brasil 0 x 0 Tcheco-Eslováquia; Espanha 1 x 0 México; Brasil 2 x 1 Espanha; México 3 x 1 Tcheco-Eslováquia; Argentina 1 x 0 Bulgária; Hungria 2 x 1 Inglaterra; Inglaterra 3 x 1 Argentina; Hungria 6 x 1 Bulgária; Hungria 0 x 0 Argentina; Bulgária 0 x 0 Inglaterra; Chile 2 x 1 União Soviética; Iugoslávia 1 x 0 Alemanha; Brasil 3 x 1 Inglaterra; Tcheco-Eslováquia 1 x 0 Hungria; Brasil 4 x 2 Chile; Tcheco-Eslováquia 3 x 1 Iugoslávia; Chile 1 x 0 Iugoslávia e Brasil 3 x 1 Tcheco-Eslováquia. CLASSIFICAÇÃO FINAL – 1 – BRASIL; 2 –Tcheco-Eslováquia; 3 – Chile; 4 – Iugoslávia; 5 – União Soviética; 6 – Hungria; 7 – Alemanha; 8 – Inglaterra; 9 – Itália; 10 – Argentina; 11 – México; 12 – Espanha; 13 – Uruguai; 14 – Colômbia; 15 – Bulgária e 16 – Suíça.

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